terça-feira, 27 de novembro de 2007

O Conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) e as adaptações didáticas

1. Explicando o conceito
Lev Vygotsky (1896-1934) introduziu a noção de ZDP nos seus últimos escritos, na década de 30, no bojo das discussões que levantava sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Afinado com a ideologia marxista do materialismo histórico-dialético, Vygotsky tinha um interesse especial pelas questões da educação, particularmente da instrução escolar. Afirmava que o ensino eficaz não é aquele que espera o desenvolvimento cognitivo infantil, porém aquele que se antecipa ao mesmo, impulsionando-o e incidindo sobre a ZDP. Ou, nas palavras de Vygotsky (1993), “o ensino deve orientar-se não ao ontem, senão ao amanhã do desenvolvimento infantil” (p. 242).
O pensador russo tinha grande preocupação com a instrução escolar e, conseqüentemente, atribuía à escola e ao professor um importante papel no desenvolvimento infantil. Vygotsky (1993) explica da seguinte maneira o conceito de ZDP, apontando para a importância do ensino e da instrução: A diferença entre “o nível de desenvolvimento atual, que se determina com ajuda das tarefas resolvidas de forma independente, e o nível que alcança a criança ao resolver as tarefas, não por sua conta, senão em colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento proximal” (p. 239).
2. A imitação
A imitação é, em geral, uma das vias fundamentais no desenvolvimento cognitivo e cultural da criança. O próprio processo de imitação pressupõe uma determinada compreensão do significado da ação do outro. Neste sentido, o processo imitativo também se coloca como campo possibilitador de criação de ZDP, porque a criança poderá, por imitação, realizar ações que vão além de sua capacidade atual.
Para Vygotsky, enquanto imita, a criança apreende a atividade do outro e realiza aprendizagem. Ela não faz uma mera cópia da ação do outro, como um ato mecânico, mas se envolve na atividade intelectualmente, o que implica representá-la e avaliar a adequação de sua imitação.
3. A brincadeira infantil
Outro contexto importante, no qual Vygotsky se refere à ZDP, é aquele relacionado à brincadeira infantil. Para ele, na brincadeira – referia-se especificamente ao jogo simbólico – a ação da criança se subordina ao seu significado. Este é o que importa e define o jogo, diferentemente da situação real, na qual a ação tem o predomínio em relação ao significado. Portanto, isso possibilita à criança ir além de sua própria capacidade.
Assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade.
4. A instrução educacional
Para Vygotsky, a instrução (referindo-se ao ensino) deve ser orientada para os processos de desenvolvimento que se encontram em amadurecimento e consolidação na zona de desenvolvimento proximal. Ele alertava que a ZDP deveria ser considerada levando em conta tanto o nível de desenvolvimento da criança como a natureza da instrução recebida pela mesma.
Ganha importância, assim, o aspecto das pré-condições de desenvolvimento da criança e as possibilidades de aprendizagem, condicionadas a uma intervenção instrucional que funcione como mediadora no processo ensino/aprendizagem. Operar sobre a zona de desenvolvimento proximal possibilita trabalhar sobre as funções “em desenvolvimento”, ainda não plenamente consolidadas, mas sem necessidade de esperar sua configuração final para começar uma aprendizagem.
Imagina-se aqui um encadeamento de condições atuais nas competências já aprendidas/dominadas pela criança, seja na área da alfabetização, das operações matemáticas, ou dos conhecimentos, com novas competências que estão sendo aprendidas e que constituem alvo da ação do professor.
5. O conceito de ZDP como espaço de interação e aprendizagem
Alguns autores consideram a ZDP como um espaço de troca de significados e sentidos (simbólico) que se estabelece na interação entre indivíduos, onde circula o conhecimento e as aprendizagens acontecem. Assim, o interesse é a análise do processo de interação que possibilita a emergência da ZDP.
Dois tipos de contribuições discursivas (aluno-aluno; professor-aluno; aluno-professor) acontecem na sala de aula e estão diretamente implicados na emergência da ZDP:
a) a linguagem orientada para o conteúdo: se relaciona com os aspectos instrucionais de natureza curricular e comporta a dimensão pedagógica do processo ensino-aprendizagem;
b) a linguagem orientada para a comunicação: refere-se ao processo de comunicação em si, e visa tornar o discurso menos ambíguo, clareando os objetivos e interesses dos interlocutores na comunicação.
As atividades discursivas em que as crianças se envolvem no contexto escolar:
a) comportam uma dimensão da linguagem que explicita o conteúdo específico da tarefa realizada por elas;
b) regulam os diferentes modos de comunicação que se estabelecem entre os alunos, em função do ambiente escolar e de sala de aula.
Esse processo, em seu conjunto, integra as condições que podem propiciar o surgimento ou emergência da ZDP e, por conseguinte, as situações de aprendizagem.
6. O conceito de mediação e de privação
É fundamental a ação dos adultos no mundo da criança, seja na família, seja na vida escolar. As ações executadas, no sentido de orientar as aprendizagens infantis, constituem o que Vygotsky entende por mediação. A qualidade e a intensidade da mediação vão determinar em boa medida a condição positiva do desenvolvimento e da aprendizagem da criança. Em contrapartida, a presença fragilizada dos mediadores junto à criança pode provocar um desenvolvimento cognitivo e afetivo prejudicado, truncado, com reflexos diretos na apren­dizagem escolar.
Assim, a criança, com uma aprendizagem lenta e difícil, pode ser uma criança cujo histórico de vida aponta para uma história de privação, de relacionamentos familiares conflituosos ou ausentes. Um resultado direto desta situação pode ser a dificuldade da criança para organizar-se cognitivamente, para estabelecer um processo coerente de pensamento, pode ser a impulsividade da criança no aprender, a hiperatividade.
7. Proposta de adaptações didáticas
Coloco no plural o título acima, por entender haver múltiplas possibilidades de conformar didaticamente a prática docente. A proposta – aqui brevemente delineada – de adaptação didática, no sentido da observação em aula, concentra-se na possibilidade da emergência de zonas de desenvolvimento proximal nos alunos sob dois aspectos:
1 - Quando ocorre a interação espontânea entre dois/duas alunos/as (pares), através da linguagem voltada para o conteúdo/comunicação.
2 - Nas atividades formais em sala de aula:
As trocas verbais entre as crianças ocorrem enquanto realizam as atividades propostas pelo/a professor/a. Para tanto, é de fundamental importância a formação de pares nestas atividades.
É bom lembrar os aspectos que o/a professor/a deve procurar apoiar, à medida que ajusta sua didática no sentido do fomento das interações horizontais, isto é, das interações entre os alunos:
u Fomentar as trocas entre os alunos, que evidenciem o auxílio recíproco e o apoio na aprendizagem (mediação);
u Observar sinais evidentes de aprendizagem através das trocas;
u Consolidar a passagem de uma zona real para uma zona proximal de desenvolvimento do aluno (aprendizagem pela mediação do/a colega).
8. Possibilidades de trabalho em grupo entre crianças na escola
a) Na Educação Infantil (pré-escola)
O contexto relacional representa o espaço de emergência e evolução das relações sociais da criança. Verifica-se a existência de duas tendências muito diferentes nas relações entre crianças pré-escolares:
8 desejo de dominar ou afirmar sua presença – situação de dominância;
8 o desejo de encontrar o outro – situação de afiliação.
Ocorre a predominância da relação a dois (díades): as atividades coesivas dominam amplamente as atividades conflitivas.
b) Nas séries iniciais
Nas situações de espaço coletivo, ou de espaço de grupos, ou quando solicitadas para trabalhar em grupo, verificam-se as seguintes reações por parte das crianças:
u procuram um colega (da sua preferência);
u aguardam, refletem, demoram para tomar a iniciativa;
u as demais hesitam, sem tomar uma decisão.
As pesquisas mostram que a maioria das crianças que freqüentam as séries iniciais,
8 nas atividades de sala de aula, sabem com quem querem trabalhar (interagir) em sala de aula;
8 nas atividades do jogo/de Educação Física, as escolhas de interação são menos imediatas, talvez porque tais atividades são menos estruturadas, isto é, são evolutivas e cambiantes.
Para entender como se dá a dinâmica em pequenos grupos entre alunos das séries iniciais, busca-se a resposta às seguintes questões:
1. Que papéis desempenham a afetividade e a competência na busca do outro para trabalhos em sala de aula e nos jogos?
(Pergunta feita às crianças: “Se pudéssemos nos organizar em pequenos grupos para trabalhar em aula, quem você gostaria de ter a seu lado? Quem mais?” “No pátio ou nas atividades de educação física, quem você vai procurar para brincar/jogar? Quem mais?”)
É a afetividade (tipos de respostas que expressam a afetividade: “eu gosto dele”; “é meu amigo”; “ele é bonzinho”), essencialmente, que orienta a escolha dos outros, tanto para o trabalho em sala de aula como para jogos e atividades de Educação Física. Embora a competência não seja um critério para associar-se às atividades de natureza escolar, ela intervém, em certa medida, nas escolhas dos outros para o jogo/atividades de Educação Física, pois o projeto, sendo de curto prazo, o bom resultado imediato é desejado.
2. O que acontece com a sexualidade infantil? Que papel desempenha na escolha do outro?
(Pergunta feitas às crianças: “Se tivéssemos de fazer grupos compreendendo meninas e meninos, qual menino – para as meninas – ou qual menina – para os meninos – você aceitaria em seu grupo? Quem mais? ”
Os mapas sociométricos evidenciam que nas crianças de 6 a 11 anos, e também nos pré-adolescentes, uma classe é sempre constituída de dois subconjuntos diferenciados com bastante nitidez: o das meninas e o dos meninos. Deve-se aguardar a idade de 14-15 anos para ver esboçar-se um certo número de escolhas recíprocas entre as meninas e os meninos.
Assim, em relação à sexualidade infantil, vê-se mais uma sexualidade de identidade do que de complementaridade. De certa forma, os meninos buscam sua identidade masculina no grupo dos meninos e as meninas, sua identidade feminina no grupo das meninas.
3. O que leva as crianças a quererem ou não modificar suas relações em sala de aula?
(Pergunta feita às crianças, após o professor propor que as crianças reconsiderassem os seus lugares na sala e, as que desejassem, mudassem de mesa e de colegas-vizinhos: “Vocês acabam de escolher ou não um novo lugar na aula. Contem – por escrito ou falando – como o escolheram e o que esperam com isso”.)
Os motivos evocados para mudar, ou não, de lugar são de três ordens:
u Busca de segurança; por exemplo: “Mudei de grupo porque L. não parava de me amolar”.
u Busca de referência afetiva; por exemplo: “Continuei no mesmo lugar para ficar ao lado da minha amiga”.
u Problemas particulares; por exemplo: “Quis ficar aqui porque tenho problemas de audição”.
O que se conclui, até aqui, é que a afetividade, essencialmente, é que orienta as relações entre os alunos dentro do conjunto-classe, isto tanto para o trabalho em sala de aula como para as atividades de jogo/Educação Física. A competência, essencialmente a competência escolar, aquela que é continuamente valorizada pelo adulto, parece ser um fator secundário.
c) Possíveis configurações nas relações em sala de aula
Três grandes orientações ou, antes, três grandes tipos de conjuntos relacionais aparecem:
u os conjuntos compostos de estruturas com 3 ou 4 crianças que se diferenciam e, às vezes, se excluem em relação às outras;
u os conjuntos em forma de estrela, aqueles em cujo interior uma ou duas crianças monopolizam as escolhas;
u os conjuntos de relações entre crianças confusas ou desorganizadas, em que é difícil distinguir as redes ou estruturas de comunicação.
d) A situação relativa dos alunos: noção de estatuto sociométrico
As crianças que se conhecem desenvolvem entre elas trocas informais de natureza afetiva que tendem a uma seleção das crianças conforme as propriedades associativas de cada uma.
Como uma malha nervosa, a classe apresenta-se como uma rede feita de um conjunto de estruturas e de vínculos relativamente instáveis, mas que apresentam uma organização de conjunto característica. Nesta organização geral das relações, os personagens que constituem o conjunto-classe possuem situações diferentes: existem aqueles que são muito escolhidos e outros que o são menos; há aqueles que pertencem a duas estruturas ou a dois subconjuntos (subgrupos) simultaneamente, há os que se situam fora...
Esta situação das crianças não é por acaso. Quando se mostra à/ao professor/a que conhece bem seus alunos a situação destes na classe, ela/ele responde simplesmente: “Isto não me surpreende”. Se a situação sociométrica da criança não surpreende o/a professor/a, é porque existem traços de personalidade, percebidos consciente ou inconscientemente, que fazem com que determinado colega seja buscado e outro evitado.
Apresento, a seguir, um roteiro para o professor rastrear as diferentes configurações que os grupos em sala de aula assumem, e, assim, poder melhor adaptar a sua didática no sentido do incremento e consolidação das zonas de desenvolvimento proximal de seus alunos.
Roteiro de questões para constituição de um mapa sociométrico (situações potencializadoras da ZDP)
1. Nome do/a aluno/a
2. Qual (quais) colega/s com quem você mais se relaciona ou é/são seu(s)/sua(s) melhor/es amigo(a)/amigos(as)?
3. Qual o motivo ?
4. Acha que o/as colega/s mencionado(s)/a(s) ajuda/m nas atividades escolares?
5. Pode dar algum/ns exemplo/s de atividades?
6. Fica mais fácil aprender na sala de aula quando se trabalha junto com esse(s)/essa(s) colega/s ?
7. Se pudéssemos nos organizar em pequenos grupos para trabalhar em aula, quem você gostaria de ter a seu lado? Quem mais?
8 . No pátio ou nas atividades de Educação Física, quem você vai procurar para brincar/jogar? Quem mais?
9. Se tivéssemos de fazer grupos compreendendo meninas e meninos, qual menino (para as meninas) ou qual menina (para os meninos) você aceitaria em seu grupo? Quem mais?
10 . Se você tivesse de escolher ou não um novo lugar na sala de aula, qual o novo lugar que você escolheria? Por quê ?
Em última análise, o/a professor/a deve procurar configurar a dinâmica interativa entre as crianças do seu grupo, mesmo em face das tendências naturais, isto é, das atrações que as personalidades variadas dos alunos exercem reciprocamente uma sobre as outras, de forma tal que as trocas estabelecidas representem ganhos mútuos na zona proximal de desenvolvimento de cada uma. Estes ganhos podem se dar nas diferentes áreas, isto é, na área cognitiva, na afetiva, na social, e, mais diretamente, nas aprendizagens formais do currículo escolar.
Configurar a dinâmica interativa para o/a professor/a representa a necessidade de que seja habilidoso(a) na adaptação da sua didática, de forma que ela nutra a horizontalidade de sua ação. Em vez de um estilo concentrador, diretivo, a abordagem vygotskiana sobre a importância das mediações (adulto-criança e criança-criança) representa a necessidade de que o/a professor/a ajuste sua didática na promoção das melhores e mais produtivas interações das crianças entre si e delas com o professor.
Bibliografia
Vygotski, Lev S. Obras Escogidas. Vol. I. Madrid: Visor, 1993.
NOTAS:
1 Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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