quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Concepções acerca da língua - visão histórica

"Concepção" é idéia, conceito, noção, modo de ver, ponto de vista, opinião, maneira de formular uma idéia. Concepções acerca da língua são, pois, modos de ver, pontos de vista, opiniões a respeito da língua. Concepções de linguagem estão profundamente enraizadas na psique individual e coletiva. Com efeito, tem havido sempre, nas culturas em geral, uma quantidade apreciável de mitos, crenças, tradições que revelam as concepções de linguagem de seus povos. A antropologia cultural nos demonstra, por exemplo, que a maioria das culturas primitivas concebiam a linguagem como um dom de Deus, como na Bíblia: "E o Senhor, tendo criado todos os animais da terra e todos os ventos do ar, levou-os a Adão para saber o que lhes queria chamar; porque o que fosse que Adão chamasse a uma criatura viva esse ficaria seu nome." Já para os egípcios, o deus Toth foi o criador da fala e da escrita; para os babilônios, o deus Nabu; para os chineses, a escrita foi trazida do céu no dorso de uma tartaruga. Muitas sociedades primitivas (e pessoas supersticiosas também) concebem a linguagem como alguma coisa dotada de poder mágico. Assim, em certas culturas primitivas, não se deveria pronunciar o nome de uma pessoa morta, pois enquanto o nome durasse duraria a pessoa, e pronunciar seu nome seria atrair a morte. No Egito antigo, seus habitantes tinham dois nomes, um para o mundo e outro para Deus, jamais revelado. Conhecer esse segundo nome era ter poder sobre o indivíduo. Em Roma, para citar mais um exemplo, as autoridades convocavam primeiramente homens com nomes auspiciosos: Victor, Félix, Teodoro (presente de Deus), etc. A concepção de que a linguagem se reveste de poder mágico inspirou a primeira descrição lingüística de que se tem notícia, a gramática do sânscrito. Naquela época (século VI a.C.), os dialetos populares da Índia (pratkrits) se generalizavam rapidamente, enquanto o sânscrito culto (blasha) ia caindo no esquecimento. Tratava-se, então, de assegurar a conservação dos textos sagrados escritos nessa língua (poemas religiosos chamados Vedas) e de sua pronúncia exata, a fim de que surtissem seus efeitos. Quem levou a cabo essa tarefa foi Panini. Na verdade, a história das concepções acerca da língua é a própria história dos estudos lingüísticos. A Lingüística, em suas diferentes fases de desenvolvimento, adota uma concepção de língua, de linguagem, com que observa, analisa e descreve esses fenômenos, conforme se pode ilustrar, por exemplo, nestes diferentes momentos do desenvolvimento dos estudos lingüísticos: gramática tradicional, lingüística do sistema, sociolingüística, lingüística do discurso. A gramática tradicional deve ser definida não como um livro, mas como um conjunto de concepções acerca da língua, formulado a partir dos gregos e que chegou até nossos dias: entende a língua como expressão do pensamento; preocupa-se exclusivamente com a língua escrita; elege a modalidade literária, a modalidade mais formal como objeto de estudo; privilegia as formas mais antigas em detrimento das atuais, das inovações lingüísticas; emite juízos de valor (uma língua é mais bonita, mais harmoniosa, mais rica que outra); estabelece regras normativas arbitrárias; etc. Para a lingüística do sistema, a língua é um código de signos arbitrários; é um sistema de comunicação. Já para a sociolingüística, a língua é um conjunto de variedades, enquanto para a lingüística do discurso é um sistema de interação, um sistema que somente se realiza sob a forma textual. Concepções diferentes ou antagônicas acerca da língua têm originado, ao longo da história, sérios conflitos, polêmicas acaloradas entre indivíduos, grupos ou correntes. É o que se aborda a seguir.

Nenhum comentário: