quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Formação de Leitores Competentes

Nesta era da comunicação e informação, a sociedade não mais permite leituras que objetivem uma
única interpretação, estável e universal, nem mesmo leitores apenas de livros. Pelo contrário, hoje é cada
vez mais necessário que o sujeito seja capaz de compreender as muitas linguagens e múltiplos códigos
que o envolvem como, por exemplo, pintura, cinema, teatro, propaganda, histórias em quadrinhos.
A verdadeira prática de leitura ultrapassa a decodificação de letras ou imagens visuais e a extração
de informações. Ela é um processo em que o leitor é instigado a desenvolver um trabalho ativo que é o de
construção de significados a partir do texto base. Esses significados são elaborados a partir de
conhecimentos já incorporados (o repertório) que fornecem informações sobre o assunto, sobre o tipo de
material que serve de suporte ao texto – jornal, revista, livro, televisão, história em quadrinhos – e sobre
elementos que são próprios da língua.
Durante o ato da leitura somos conduzidos a atribuir significados em sentido amplo ao mundo
e em sentido específico ao texto lido. Podemos dizer que a leitura não se caracteriza por ser um
processo linear, na medida em que é possível realizar diferentes leituras e questionamentos sobre um
mesmo texto. Essa elaboração ativa de significados é feita pelo leitor, e não por um agente externo que
simplesmente realiza perguntas de compreensão sobre o objeto de leitura.
Ao fazer-se leitor, o sujeito tem a possibilidade de compreender a sociedade valendo-se de um
maior alcance intelectual e ampliando sua visão do mundo. Para tanto, a leitura passa, inicialmente,
pela capacidade de reconhecer e decifrar símbolos e sinais, mas vai além, por meio do trabalho mental
que é desencadeado e se torna gradualmente reflexivo por meio de combinações que o sujeito realiza
entre unidades de pensamento. Chega-se, então, a uma etapa mais avançada, que requer do leitor a
capacidade de compreender e dar sentido aos símbolos e sinais, completando a leitura com seu
entendimento, sua interpretação e avaliação, interferindo e ampliando a leitura e descobrindo nela
novos valores.

Quando se tem a clareza de entender que a leitura se constitui numa dimensão fundamental do
domínio da linguagem e da construção do conhecimento, faz-se necessário admitir que a prática que
a escola tradicionalmente vem adotando em nada contribui para a efetivação desses aspectos. Como
conseqüência, os alunos passam pela escola e memorizam informações sobre regras gramaticais,
normas de concordância e, até mesmo, classificam textos de acordo com sua tipologia. O que não
desenvolvem são as competências para se constituírem em leitores.
Ao pensarmos na formação de leitores ativos e competentes, percebemos que essa idéia encontra-
se atrelada à compreensão de leitor não como um sujeito passivo, e sim como alguém que constrói,
concordando ou discordando do autor, sua interpretação numa relação de diálogo íntimo com aquilo
que lê. Um dos caminhos para se chegar a esse nível de autonomia, em que o aluno percebe que o texto
não é a representação absoluta de uma verdade, é expor o aluno a diversos tipos de textos: informativos,
dissertativos, poéticos, publicitários, narrativos, em que se encontram as histórias em quadrinhos. A
partir desse contato com a diversidade, é possível estabelecerem contrapontos, esclarecendo ao aluno
que cada texto tem uma especificidade e propicia uma determinada interpretação do real. É necessário,
também, que ao aluno seja dada a oportunidade de debater, expor suas idéias, argumentar e criticar,
capacitando-o a analisar a construção de um texto, bem como os sentidos a ele atribuídos.

Nessa perspectiva de leitura e leitor, desloca-se a ênfase do aspecto material da língua (gráfico
e sonoro), para a constituição de sentido e para o processo de interação. Contudo, é necessário esclarecer
que, por não se privilegiar na leitura o domínio do sistema gráfico, não quer dizer que qualquer
material possa auxiliar na formação do leitor. Pelo contrário, apenas materiais compostos de bons
argumentos, de conteúdo relevante, podem instrumentalizar o leitor nesse sentido. Formar um leitor
competente é isso: formar alguém capaz de compreender o que lê, de admitir que a um mesmo texto
podem ser atribuídos vários sentidos, de perceber mesmo o que não está escrito e, além disso, de
estabelecer relações com suas leituras anteriores.
Outro aspecto entendido como extremamente relevante na formação do leitor é a influência das
comunidades interpretativas. Em inúmeras situações, percebemos e apreendemos o mundo sob a
influência delas. Articulamos nosso conhecimento, nossas leituras, nossa visão de mundo por meio
de um repertório cultural que, por sua vez, se estrutura inexoravelmente nas comunidades
interpretativas. Dessa forma, conclui-se que o papel da escola, enquanto comunidade interpretativa
específica, constitui um pilar no desenvolvimento e formação de bons leitores.
A escola é responsável por oferecer bons modelos de leitura para o aluno, nunca como um fim
em si mesma, sempre como um instrumento de prática social. Ela é quem fará intervenções constantes
na leitura dos alunos, chamando-os ao esforço intelectual que algumas leituras exigem, à compreensão
das leituras de difícil entendimento ou, simplesmente, ao prazer que elas podem despertar.
Há alguns séculos, os textos escritos eram os únicos aceitos formalmente como passíveis de
leitura, apesar de, nas origens da humanidade, o desenho – portanto um texto visual – ter sido, por
muito tempo, juntamente com a fala, a única forma de comunicação. E, se a leitura apenas de textos
escritos, por algum tempo, foi suficiente como instrumento de comunicação, informação e apreensão
do saber, o mesmo não se pode dizer nos dias atuais, caracterizados como uma era da informação.
Hoje, para estabelecer comunicação, para se informar e interagir com a sociedade, o sujeito deve ser
capaz de ler o mundo e suas múltiplas linguagens, sejam elas escritas, visuais ou sonoras.
Entre todas as linguagens que fazem parte do mundo contemporâneo, iremos abordar uma que
realiza a integração entre a linguagem escrita e a linguagem visual: a das histórias em quadrinhos.
Historicamente, os quadrinhos têm sido tratados pela sociedade como uma subliteratura e,
ainda mais, como uma linguagem nociva ao desenvolvimento psicológico e cognitivo de quem a
consome. Essa visão decorre de argumentos infundados sobre a influência dos quadrinhos tanto na
delinqüência juvenil, como no desinteresse das crianças e jovens pela leitura de livros formais. E qual
é a principal instituição que está por trás desses argumentos? A própria escola, que deveria, a princípio,
ser a maior incentivadora e formadora de leitores.

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