domingo, 2 de dezembro de 2007

Por que tem sido tão difícil para as crianças aprender a ler e a escrever?


Paulo Freire, em um de seus livros, ao se referir ao seu próprio processo de alfabetização diz: “Eu aprendi a ler no quintal da minha casa. O chão de terra foi o meu quadro, os gravetos, o meu giz” . Sobre o mesmo tema,outros autores se manifestam: “Eu aprendi a ler nas placas de lata das ruas da minha cidade” (Mayakovsky). “Fui educado pelos olhos da imaginação.Viajei pelas mãos dela sempre” (Fernando Pessoa). “Sempre se lê e vê com os olhos da imaginação” (Italo Calvino).
A aprendizagem da leitura e da escrita, pelas falas desses autores, parece ter sido um processo agradável, que fluiu naturalmente e que permitiu que os olhos da imaginação se abrissem e vissem um mundo novo de idéias.
Nem sempre dentro da escola, a imaginação pode se soltar e caminhar paralelamente à educação. Há excesso de rigidez nos procedimentos escolares? Sobra pouco espaço para a brincadeira, para a liberação da imaginação. A leitura não é tão-somente um processo de junção de letras que formam palavras e frases. Textos e imagens precisam ser lidos com os olhos da imaginação. Despertar este olhar da imaginação por meio de livros, quadros, imagens, da observação do espaço em que se vive, da audição de músicas, da troca de experiências, é fundamental.
Por outro lado, diferentes fatores interligados precisam ser melhor conhecidos para que se possa lidar com uma abordagem voltada para osucesso em alfabetização. Dentre eles, pode-se citar a questão que envolveos antecedentes sociais e dialetais. As crianças chegam à escola com uma história de vida singular, cada aluno em cada sala de aula é diferente do seu colega, logo, as tentativas de homogeneização e de aulas iguais paratodos não funcionam. Especialmente nos anos iniciais da vida escolar,têm mais sucesso os professores que trabalham com pequenos grupos em momentos alternados da aula. A atenção à diversidade é fundamental,respeitando-se desvios dialetais, tanto na fala, quanto na escrita. “Quandose rejeita o dialeto materno de uma criança , rejeita-se a mesma por inteiro,a ela com toda a sua família, com seu grupo social de pertinência” .
A ênfase deve ser inicialmente dada à fluência e não à precisão gramatical,ortográfica e à pronúncia da criança. Outro fator importante é que a maioriadas crianças, na fase de iniciação escolar, possui como experiência oral-préviaapenas a participação em conversação diária e espontânea,principalmente com a família. Na escola, os livros de alfabetização e mesmoa prática pedagógica de grande parte dos professores dificilmente reproduzemos textos e situações do cotidiano, por estarem presos a uma ordem préviade fonemas e grafemas. Libertar-se desta ordem e pensar que a linguagemescrita guarda relações de semelhança com a fala é fundamental.
Liberto da ordem dos fonemas (/ v /, / d /, / l / , / m /...) e das frases com enunciados desconexos, utilizando a experiência prévia da linguagem oral de seus alunos, lidando com diferentes gêneros textuais (histórias em quadrinho, lendas, fábulas, textos produzidos oralmente pelos alunos escritos pelo professor, histórias infantis, pequenos textos científicos,poesias,...) e planejando onde querem chegar, os professores e seus alunosirão vencendo as várias etapas da alfabetização.
Mas... dirão os professores “Como trabalhar com textos se os alunos não sabem ler?” Trabalhando com textos, aprenderão a ler, desde que haja um planejamento organizado em torno desse objetivo. De um texto, por exemplo,podem ser destacadas palavras, e muitos jogos de rimas e alterações podem ser realizados com as crianças, de tal forma que, brincando, elas percebam que cada vez que se mudam, se acrescentam ou se retiram letras, as palavra mudam de significado (bola/cola/mola/sola/rola – sapato/pato – garoto/gato- escola/cola). Organizar a aula ludicamente, a partir de jogos e brincadeiras,é a chave para a alfabetização. Segundo Vygotsky, a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ser organizada como um prolongamento das brincadeiras infantis, sendo que “ o melhor método será aquele em que as crianças não aprendam a ler e a escrever, mas descubram estas habilidades durante as situações de brinquedo”
Nas diferentes situações organizadas, claro que o professor poderá e deverá falar o nome das letras: o de bola, o de cola. Conhecer o alfabeto e saber que relações as letras têm umas com as outras não é proibido, pelo contrário,esta é uma informação a ser adquirida na escola, só que dentro de um contextode leitura real e não de um trabalho de decifração isolado. Melhor ainda é possuir um quadro de pregas e letras móveis para fazer as alterações. Não há cobranças de memorização de fonemas, não se trata de ensinar que o com faz, trata-se simplesmente de proporcionar oportunidades para que as crianças descubram como se organiza o código escrito. Muitos professores, que trabalhamou desejam trabalhar de modo construtivista, esquecem-se de informar tais coisasaos alunos e esperam que eles formulem hipóteses até chegarem à fase alfabética,sem que alguém lhes forneça algumas informações. Não há como desconsiderarque o decifrado é, também, um dos eixos do processo de alfabetização.
Introduzir a linguagem escrita no universo dos alunos, significa permitir que todos tenham acesso e possam explorar materiais de leitura distintos,antes, durante e depois de terem aprendido a ler. Significa, também, que todos tenham acesso à leitura feita pelo professor desses diferentes tipos de material e que possam manuseá-los, experimentando ler e escrever. Mais ainda, que sejam encorajados a escrever sem copiar, tentando aproximar-se da palavra escrita, num primeiro momento, sem que suas escritas sejam comparadas e corrigidas. Não apenas isto, mas também que leiam (sem saber ler formalmente) usando dados extra textuais e, na medida do possível,os dados textuais que aos poucos irão dominando. E, finalmente, que conheçam as relações entre fonemas e grafemas. Uma metodologia que sevalha dessas estratégias avança em direção à construção da linguagem escrita e não apenas é pensada como mera transcrição do código alfabético.Conhecimentos são construídos em condições que favorecem sua apropriação. A aquisição da escrita, nunca é demais repetir, inclui a apropriação do código, mas não se reduz a ele.

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