sábado, 1 de dezembro de 2007

A introdução da escrita na sala de aula


Assim como o contato com a linguagem oral possibilita o desenvolvimento da fala, o primeiro passo para o domínio da linguagem escrita é o contato com materiais para ler (livros, revistas, jornais,embalagens, folhetos, rótulos, quadrinhos, cartazes...) e não apenas para aprender a ler. Iniciar a alfabetização a partir de um único tipo de material,uma cartilha, por exemplo, não é recomendável, já que estas lidam apenas com a mecânica do decifrado. Um bom livro de alfabetização, com textos e ilustrações interessantes, pode ser um dos materiais usados pelo professor,mas não deve ser o único, nem deve ser seguido numa seqüência linear.Muitos professores dirão que usam cartilhas há anos e alfabetizam seus alunos com sucesso. Certamente alfabetizam aqueles que aprenderiam a ler com ou sem cartilhas, porque já haviam sido inseridos num processo de alfabetização informal por suas famílias, antes de ingressar na escola.Outros, sentem-se inseguros sem um material de alfabetização e usam ascartilhas como material de apoio, mas lidam com outras estratégias que permitem que as crianças construam significados sobre o ato de ler. De qualquer forma, o fracasso da alfabetização não pode ser relacionado linearmente ao uso de cartilhas, podendo-se citar, entre outros fatores, o pouco uso de materiais de leitura diferenciados, a falta de crença no sucesso dos alunos, a pouca ou nenhuma familiaridade de grande parte dos professores que regem turmas de alfabetização com os diferentes aspectos que envolvem esse processo, o desconhecimento de outras estratégias de leitura (textuais e extratextuais) que ultrapassem o mero decifrado.
Para que o sucesso em alfabetização venha a ocorrer, é importante, alémde possibilitar o acesso à produção textual variada, ler junto com os alunose para eles। Abordar diferentes tipos de textos, comentar, apontar ilustrações,levar os alunos a selecionar e classificar tipos de textos diferentes: rótulos,quadrinhos, textos de histórias infantis, propagandas. Deixar que leiam,dramatizem, desenhem, pintem, criem mosaicos, organizem construções comblocos de madeira ou objetos com massinha, sem dividir a aula em atividadesisoladas de coordenação motora, auditiva, visual que “preparam para aalfabetização”, é um bom caminho para que os alunos se sintam interessadosem descobrir o que a escrita representa e como representa.
Por outro lado, deve-se levar em conta que a leitura é um objeto deaprendizagem diferente da escrita, tanto que há alunos que escrevem e não lêemou vice-versa। Para escrever, juntam-se letras, formam-se frases e parágrafosnum processo que vai da parte para o todo। Já na leitura, do “todo” texto, faz-seo inverso। A leitura envolve outras estratégias cognitivas: pode-se ler um “todo”depreendendo o vocabulário do contexto sem ler palavra por palavra। Ouvimose lemos buscando o significado geral, porém falamos e escrevemos buscandoconstruir o significado parte por parte. A leitura, portanto, pode e deve ser orientadapara a busca de pistas extratextuais que ajudem a prever o sentido do que estáescrito. Ocorre, porém, que não se lê apenas pelo reconhecimento de palavras-chavee/ou usando pistas contextuais. Há necessidade do decifrado. Ferreiro afirma que “a leitura proficiente ocorre quando decifrado e busca de umsignificado convergem para um trabalho único”
Entra-se, portanto, no cerne da questão. Para que os alunos aprendama ler é necessário lidar com dois eixos interdependentes. Em primeirolugar, os textos apresentados devem ter significado, para que os alunospossam se apoiar em indicadores extratextuais, (seu conhecimento demundo) e em indicadores textuais (portador de texto, formato, organização,tipo de ilustração, pontuação, título). Em segundo lugar, os alunos precisam conhecer as relações fonema e grafema, logo, também será necessário o domínio do decifrado.A escola, em geral, tem se apoiado apenas no segundo eixo. Com umacartilha presente ou internalizada pelo professor, trabalha-se a leituramecanicamente, utilizando-se apenas uma das estratégias (o decifrado).Ocorre que o mero decifrado não é leitura, é apenas a estratégia maiselementar de leitura. Não há nada contra o decifrado já que sempre seránecessário trabalhar com a habilidade de discriminar e relacionar fonemase grafemas, porém, quando esta é a estratégia dominante, os alunos sechegarem a ler, sem se desinteressarem antes, o farão tropeçando naspalavras, sem organizá-las num todo coerente. Ora, ler é buscar blocos desentido, e isto só se consegue utilizando-se as outras estratégias citadas. Ogrande problema das cartilhas não é o fato de que todas, qualquer que sejaa metodologia utilizada, tendam a organizar as relações entre fonemas egrafemas. O problema é a forma como o fazem, a partir de sistematizaçõesde fonemas, que terminam por criar textos absolutamente artificiais, queimpossibilitam o uso das verdadeiras estratégias de leitura, como uma dasmais utilizadas pelos bons leitores: a antecipação.

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