segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O contexto artístico brasileiro das décadas de 1950

Guarda aspectos importantes para a fundaçãodas experimentações artísticas que transcendem as paredes fechadas dos museus e galerias de arte. Efetuando a passagem da modernidade para a contemporaneidade, esse período remete-nos a uma configuração geográfica bastante específica para o modelo dessas ações artísticas no Brasil estabelecidas no eixo urbano Rio - São Paulo, com algumas extensões para Belo Horizonte. Essa determinação tempo espacial apresentada assume, na pesquisa, um peso de importância, justificado pela ordenação de seu objeto principal já que o binômio arte e ambiente urbano transmutase,pouco a pouco, dificultando sua leitura a partir de enquadramentos mais convencionais.
Guarda aspectos importantes para a fundação das experimentações artísticas que transcendem as paredes fechadas dos museus e galerias de arte. Efetuando a passagem da modernidade para a contemporaneidade, esse período remete-nos a uma configuração geográfica bastante específica para o modelo dessas ações artísticas no Brasil estabelecidas no eixo urbano Rio - São Paulo, com algumas extensões para Belo Horizonte. Essa determinação tempo espacial apresentada assume, na pesquisa, um peso de importância, justificado pela ordenação de seu objeto principal já que o binômio arte e ambiente urbano transmutase,pouco a pouco, dificultando sua leitura a partir de enquadramentos mais convencionais.
Esse eixo, no qual acontecem as primeiras formas artísticas ligadas ao meio urbano, sugere a criação de um campo gravitacional formado a partir do entrelaçamento dos artistas e das instituições oficiais. Numa versão reordenada de sua configuração mais usual, a noção de vizinhança que partilhavam o museu e o artista apresentapontos de tensão que fazem com que o artista se interesse pelo espaço aberto extra-muros. Essa reordenação passaa imprimir novos códigos estéticos gerados por uma práxisaltamente experimental e contestatória para com os dispositivos assumidos pela arte até o momento.A despeito da escassa, recente e bem vinda presença de museus de arte moderna e contemporânea no país,alguns dos quais fundados nesse mesmo período, é interessante observar a insurgência de uma orientação criativa que já exibia um cansaço pelos formatos museológicos e estanques do sistema artístico então vigente.O panorama artístico de meados dos anos 1940 buscava reativar o fôlego que há pouco modernizara a criação cultural nacional, promovendo a construção de acervos, espaços expositivos e incentivos que pudessem garantir sua atualização constante. A Divisão Moderna doSalão Nacional de Belas-Artes no Rio de Janeiro ocorre em 1940 viabilizando, alguns anos mais tarde, a criação de um Salão Nacional. O MASP é fundado em 1947 e já em 1948 Rio de Janeiro e São Paulo passam a contar com seus respectivos Museus de Arte Moderna.
Na década de 1950,São Paulo apresenta a Iª Bienal Internacional (1951) e é criadoo Salão Paulista de Arte Moderna (1951) que, mais tarde,seria substituído pelo Salão Paulista de Arte Contemporânea(1969). Em 1963 é aberto o Museu de Arte Contemporâneada Universidade de São Paulo e seu diretor, Walter Zanini,lança a primeira edição das JACs – Jovem Arte Contemporânea- que se estenderiam pela década de 1970, dando grande contribuição para a atualização das formas do trabalho artístico.Galerias como a Rex (SP), revistas como a GAM,Foma, e projetos de exposição como Opinião 65 (RJ) eProposta 65 (SP) fomentam o circuito artístico brasileiro, o que passa a alcançar maior representatividade em museuse mostras internacionais.A expansão das experimentações criativas desenvolvida então no país marcava o processo de transformação pelo qual passava a arte e sua relação como circuito estabelecido, indagando sobre sua natureza,significado e função. Com uma orientação cada vez mais desmaterializada, a arte passa a valorizar a ação, o efêmero,a relação fenomenológica entre objeto e espectador.Assim, como se dialogassem numa linha paralela, osnovos objetos e propostas artísticas acompanham aconstrução dessas instituições no Brasil apresentando-se,muitas vezes, por meio de projetos curatoriais (instituídospor elas) ou por propostas criadas independentementepelos artistas que orbitavam seu núcleo principal. Parceladessa criação ainda consegue adequar-se aos elementosmuseológicos e aos apelos mercadológicos, enquanto queoutra parcela vai se configurando de modo arbitrário aosseus preceitos. Nos dois casos chama a atenção o sentidoorbital constituído entre museu e artista.O escopo criativo de Flávio de Carvalho, Hélio Oiticicae Artur Barrio dão a dimensão desse anel paralelo criadono ínterim museu-artista-meio urbano-sistema de arte. Suaspropostas representam tanto a provocação quanto acapacidade de absorção dessas instituições em posição deconstante atualização.
Nas duas versões, procura reiterar o princípio de quea parede de uma sala expositiva pode ser vista como aprópria obra ao invés de seu suporte de apresentação. Em1991, realiza no Espaço Cultural Sergio Porto (RJ) aExperiência nº5 e em 1999 a Experiência nº16 na qualacrescenta varais com carne de Charque às incisões feitasnas paredes do espaço do Torreão, em Porto Alegre.Todas as Experiências se constituem pela passagemnada sutil do artista por esses lugares e sua agudadisplicência para com o sistema de valores mercadológicospresumidos para tais espaços. Contudo, além das marcasdessa estética anti-convencional, orientada pelodesregramento, pela agressividade, ironia e sensoescatológico, as Experiências indicam também uma açãoque, apesar de elaborada no interior de salas de exposição,induz à sua desmaterialização.Quando torna a parede objeto e não suporte para aarte, Barrio modifica as relações de percepção doespectador dentro desse espaço, revelando outraorganização estrutural para esses trechos da edificação. Arelação que Barrio cria com tais ações acaba por desordenaros limites internos e externos do espaço, consolidando aidéia da passagem como um dos índices importantes desua práxis.6Ao lado de suas Experiências, ganham a mesma abordagem projetos que intitula de Situações. Nelas o artista executa ações performáticas nos espaços abertos e urbanos,propondo agudos questionamentos para a crítica, avaloração do mercado artístico e o cotidiano da liberdadecriativa.A mais famosa Situação ocorre em 1969, desdobrandoseno ano de 1970. Contemplando três partes, a SituaçãoT/T, 1 é admitida como proposta seminal da obra desseartista. Na primeira parte, o artista constrói trouxas comcimento, borracha, carne e tecidos as quais abandonapropositadamente nos jardins do Museu de Arte Modernado Rio de Janeiro (1969). Depois disso, integrando o eventoDo Corpo à Terra, organizado por Frederico Morais, constróimais 14 trouxas, acrescentando à “fórmula” diferentesmateriais orgânicos como sangue, ossos, barro. Depositaessas trouxas na manhã do dia 20 de abril de 1970,espalhando-as num ribeirão-esgoto que beirava o ParqueMunicipal. Por fim, a terceira parte desse trabalhoconstituía-se pela distribuição, sobre um banco de pedras,na beira desse mesmo ribeirão, de 60 rolos de papelhigiênico.7Todas as fases, em especial as duas primeiras, sãoacompanhadas de grande repercussão pública. Não só ostranseuntes desses locais se assustam com as trouxasensangüentadas que surgem nesses lugares como tambéma polícia posiciona-se em alerta. O cheiro de carneapodrecida e o aspecto do sangue, que manchava asuperfície das trouxas, acabam por gerar preocupações deordem ideológica e política relacionadas àquele momento histórico. O final da década de 1960 é tomado pelo tom daditadura militar e suas investidas contra a liberdade e osdireitos humanos. Nenhum dos públicos estava acostumadoou mesmo fora avisado do projeto. Os textos descritivos eas tomadas fotográficas feitas por Barrio para todo oprocesso da Situação T/T,1 denotam a expressão deinsegurança e medo nos rostos das pessoas que assistiamao resultado daquela ação do artista.Ligia Canongia, dentre outros autores que estudam otrabalho de Barrio, menciona a atribuição ideológicacontestatória da ditadura militar, incorporada, logo de início,ao trabalho Situação T/T,1. Contudo, a expansão crítica dotrabalho almejava, antes do que o ataque ao regime políticovigente, o ataque certeiro ao regime político das artes.8Outras Situações seguem-se a essa, organizadas com osmesmos materiais em decomposição ou de baixo valormercadológico. Sacos de lixo, peixes mortos, pedras, pedaços de pau encontrados ao acaso, papelão, carne, são os dispositivos matéricos que indicam sua incisão nos trajetospúblicos abertos e cotidianos dos grandes centros urbanos que habitava. Dentre tantos fluxos e elementos em metamorfose, a única permanência fixa é dada pela presençado artista.9 Com isso, eleva-se a condição de efemeridade do trabalho artístico a um grau somente praticado com mais ênfase nas duas últimas décadas. No projeto Deflagramento de Situações sobre Ruas,realizado também no ano de 1970, Barrio distribui 500sacos plásticos de lixo contendo sangue, pedaços de unhas,restos de comida, papel higiênico e toda sorte de materiaisdescartados e cotidianos. Pretendia aqui interferir nocotidiano das pessoas, tornando-as atores que tambémexecutam o trabalho. O artista relata essa intenção no textode acompanhamento dos registros fotográficos do projeto:
“OBJETIVO: FRAGMENTAÇÃO DO COTIDIANO EMFUNÇÃO DO TRANSEUNTE. (...) a tática usada foi aseguinte:..avanço a pé por uma rua em meio aos transeuntescarregando um saco (como usados para farinha 60 kg) repleto deobjetos deflagradores e, quando chego ao local determinado,despejo-o em plena via pública, continuando a caminhar; logo apósCésar Carneiro registra a reação dos passantes, etc, (...) numa dasintervenções, numa rua da Tijuca, um transeunte se interessouvivamente pelos sacos (objetos deflagradores) e pediu-meperguntando o que representavam (...) na praça General Osório,uma mulher me ofereceu um sanduíche.”10
O procedimento de trabalho de Barrio gira todo otempo por entre as convenções do valor atribuído à Arte.Seus interlocutores mais freqüentes são os anônimostranseuntes e as proximidades com museus tanto quantoos críticos ou as instituições consolidadas11. Em váriasSituações os espaços da fachada do MAM-RJ são tomadoscomo ponto de fechamento ou abertura para seustrabalhos.Na escolha dos materiais, na composição visual queelabora, no tempo e formato das ações/intervenções que promove, organiza uma conspiração contra um padrãoelitista de arte.A ativação do público, o direcionamento para a rua evazios urbanos, o uso de materiais ou espaçosdesvalorizados reúnem os elementos da estratégiaelaborada por ele para fundar as etapas de um processoradical de dissidência da instituição e do cotidiano.Recusando a idéia tradicional da arte-mercadoria,organizada a partir da eleição de materiais e linguagensconsiderados efetivos nos trabalhos artísticos, Barrioafasta-se de todos os padrões consagnados, mantendocomo um de seus focos principais o ataque às instituições,à sua fragilidade perante a atualização dos dispositivos queregulam a arte daquele momento.12Mesmo quando o intento é a busca por uma leituraorganizada de sua produção dentro das vertentes artísticasligadas ao meio urbano, o artista surpreende com umposicionamento movediço. Elabora seus trabalhos numinterstício entre a Arte Pública Atual e a ArteUrbana,13 atingindo um público predominantemente em trânsito, cujas especificidades como grupo ouconhecimento estético ele apenas pressupõe.Pretende suscitar-lhes uma experiência estética comoquem almeja desvencilhar-se do fator de banalizaçãodecorrente do cotidiano. Torna-os assim espectadores dosquestionamentos e de suas investigações acerca da própriaarte, buscando nada menos que fazer arte. Não se devemconfundir suas propostas criativas com intenções defomento ou educação artística para o povo. As reações,frases e depoimentos coletados a partir desse encontrocom o público nutrem o escopo criativo dos próximostrabalhos em sua contínua busca por uma expansão dacriação e fruição estética, sem que o público sejapressuposto como condicionante.O interstício anunciado se dá, portanto, peladespreocupação do artista com a possível seleção de umgrupo específico, preterido em nome de seu interesse pelacriação desvinculada dos padrões oficiais da arte. Isso nosleva a considerar que o público conforma suas proposiçõesartísticas atuando da mesma maneira que os demaiselementos da paisagem por ele escolhida, cumprindo assimum papel codificador do cotidiano ao qual o trabalho secontrapõe.A inclusão do público tanto quanto a relativa distânciade suas reações como fontes de determinação para projetosfuturos demonstram aspectos comuns no horizontecriativo da década de 1960 e 1970 no Brasil e confirmam,mais atualmente, o alto grau de oscilação nas proposiçõespráticas e textuais de Barrio.Partindo da idéia de que o experimentalismo no Brasildas décadas de 1960 e 1970 significou o afastamento doscódigos e expectativas formais até então salvaguardadaspelos museus e demais agentes do circuito artístico,16 ondetambém se inclui a resposta e participação pública, podeselevantar a circunstância do interesse desses artistas poruma arte de cunho urbano, extra-muros, tal qual a praticadapor Barrio, sendo conduzida por elementos de banalizaçãoe de liberdade extremada presumíveis, naquele momentohistórico, para a configuração de um estado de arte queidealizava sua independência. Experimentação emarginalidade são, nessa medida, índices importantes paraa elaboração dessa prática artística no Brasil.Hélio Oiticica é um dos artistas decisivos para essedirecionamento criativo do período. Em seu trajeto, quese inicia com a pintura e as pesquisas do concretismo eneoconcretismo chegando somente mais tarde ao dadoespacializado, não fixa o termo Experiência, mas expandeseus sentidos por meio do termo Experimental. Transcritoem seus cadernos, presente nos seus textos editados,repetido nas pesquisas mais atuais feitas sobre sua obra oexperimental tem importância central em seu processo decriação. Um de seus textos importantes nesse aspectointitula-se Experimentar o Experimental e foi escrito em NovaIorque no ano de 1972. Sintetiza sua observação sobreesse procedimento da arte de vanguarda, admitindo a necessidade de uma atitude espacializada contra asdelimitações da pintura, da escultura tanto quanto daprópria arte, reconhecidas até então.
Neste texto coloca que a:
“sentença de morte para a pintura começou quando o processo deassumir o experimental começou. Conceitos de pintura, escultura,obra (de arte) acabada, display, contemplação, linearidadedesintegraram-se simultaneamente”.
Dá assim a dimensão da consciência admitida para ocaminho irreversível de desmaterialização do objetoartístico que se seguiria internacionalmente naquelasdécadas em diante.Nos trabalhos intitulados de Experimentação, Oiticicaemprega o termo Experiência sempre acompanhado poroutras terminologias truncadas, entre palavras de projetosou conceitos que lhe interessavam.18 O Parangolé é um dessesexemplos. Termo construído a partir da atenção de Oiticicapara com a criatividade e o poder de invenção popular fonte inesgotável para a constituição híbrida de sua obra,o parangolé exprimia a idéia da interação entre corpo eambiente. A dinâmica estabelecida nesse trabalho eraexpressa principalmente pelas potencialidades entre cor eestrutura que surgem como preocupações estéticas centraisem seus trabalhos do período Neoconcreto.Os parangolés são considerados por Oiticica comoexpansão espaço-temporal dos bólides,20 expandidos parauma nova configuração: são obras “no espaço ambiental;arte ambiental que poderia ou não chegar a uma arquiteturacaracterística.21 Expressavam a multiplicidade possível daexperiência: a experiência da pessoa que veste, para a pessoaque está fora, vendo a outra se vestir, ou das que vestemsimultaneamente as coisas, são experiências simultâneas,são multiexperiências”.22A partir de então, direciona sua atenção para o corpoe o espaço, criando as proposições de seu programaambiental para o qual aplica o termo antiarte. Essacombinação, derivada de seu entendimento do campo deforça das cores (Neoconcretismo) e da espacialização daobra de arte (Bólides), sugere a valorização da experiênciacomportamental ao invés da experiência estética.Nesse ponto, seu percurso criativo propõe adescentralização da arte em favor da vivênciaexperimentada pelo indivíduo de um modo que não o configura nem como espectador estático, nem comoparticipativo. Considera a partir daqui que essa relaçãotambém precisa ser revista. Dessa forma, pulveriza aimportância do fazer artístico e dos códigos que oconstroem, abandonando a exclusividade do objeto ou aatuação do espectador diante dele para eleger a experiênciae a vivência como os fatores relevantes na confluênciaobjeto-obra/ambiente/espectador-participante.23Entre os anos de 1960 e 1963 elabora as proposiçõesque intitula de Núcleos e Penetráveis. Ambos buscamcontinuar sua investigação das relações existentes entre aestrutura-cor e a ativação do espectador. Contudo, guardamuma diferenciação importante quanto ao seu alcance epertença territorial. Os Núcleos são apresentados numespaço interno que termina por delimitar-se pela própriaação de seu participante. Interrompido ou estimulado visuale fisicamente, o participante da experiência dos Núcleos sedesloca por entre um labirinto de placas lisas coloridas,suspensas por fios a partir do teto.Os Penetráveis ampliam essa disposição, misturandoseà paisagem externa urbana de tal forma que Oiticicapassa a demonstrar preocupações próximas ao contextoda arte de site specific.24 Ao inseri-las na paisagem, preocupasecom a possível gratuidade de sua localização. Contudo,ao contrário das premissas praticadas internacionalmente nesse tipo de projeto, Oiticica busca integrar essa noçãode localização à garantia da vivência dos Penetráveis napaisagem urbana. Parece temer uma espécie de sacralizaçãodessa estrutura que possa desviar a troca de forças com omeio. Prefere a experimentação, que dá sentido à suarealização, ao privilégio puramente estético que, em suaspalavras, poderia tornar os Penetráveis espécies deesculturas.25Estendendo ainda mais o campo de ação e reação doPenetrável, Oiticica volatiliza totalmente qualquer chancede representação dos objetos que constituem essasestruturas dirigindo-se agora para a construção de umaambientação que chama de suprassensorial, na qual evoca,provocativamente, a construção atualizada do imaginárioda cultura nacional.Cria o projeto Tropicália, com o qual integra a mostraNova Objetividade Brasileira no MAM-RJ em abril de 1967, apartir de dois penetráveis: PN2 (1966) e PN3 (1966-67)estabelecendo-os como uma proposição tropical, primitiva eambiental a ser conclamada como prática cultural eticamente brasileira.26 Tropicália resume as experiências de seu autorno formato de um ambiente que é uma mistura dediferentes propostas sensoriais.Dessa forma, aproxima-se do inconformismo estéticoe ético de Barrio ao também questionar, com esse projeto,a mercantilização do objeto e das imagens no circuito oficialda arte. Oiticica, assim como Barrio, busca um caminhode desestetização dos objetos que contemplam seusprojetos artísticos, propondo no seu lugar o valor davivência e da experiência. Partindo dessa mesma condiçãoelabora o conceito de Probjeto 27, Apocalipopótese 28 (1968); eo projeto Éden que determina a chamada ExperiênciaWhitechapeliana que realiza em Londres (1969), num dosmomentos mais radicais de seu trajeto criativoexperimental.29 Vários outros projetos se seguem dentreos períodos em que permanece em Nova Iorque ou navolta ao Brasil. Todos guardam em comum questões de deambulação, sensorialidade, ludismo e um sentido deprovocação crítica a qualquer tentativa de ordenação oulimitação do espectro cabível para o universo da arte.O conteúdo abarcado pela obra desses trêsimportantes representantes da arte brasileira, Flávio deCarvalho, Artur Barrio e Hélio Oiticica, traz à tona umapráxis artística que debocha de todos os códigos prédeterminadospara o sistema da arte praticada no período.Nesse direcionamento inquisitivo visam, antes de tudo,esgarçar e então reordenar os valores admitidos para aexperiência estética. É na forma de efetivação de suas idéiasque acabam encontrando os dados espacial, extra-murose fundamentalmente urbano que passam a conformar seustrabalhos artísticos.Curiosamente, estabelecem essa atividade mantendouma relação conflitante com pelo menos dois dos agentesdo sistema artístico: o museu e o público. Ora estabelecemuma relação de cumplicidade gozando de certa legitimidadegerada pelos elementos típicos de sua estrutura (impressãode catálogos; registros fotográficos, textuais, aquisição detrabalhos; convites curatoriais, etc), ora permitem-sedesvencilhar completamente de suas condicionantes paraestabelecer novas proposições criativas que têm como panode fundo a contraposição estética das expectativasinstitucionais e mercadológicas para com o objeto de arte.Os aspectos tecnológicos mais atualizados ou maisdesenvolvidos presentes nos seus projetos artísticos são pré-existentes às propostas mesmas. Estão localizados nasestruturas onde pretendem intervir: na edificação domuseu, no sistema de comunicação, no entorno urbano aser percorrido dentro do projeto. Os materiais empregadose os conceitos criados em sua obra posicionam-se de modoinversamente proporcional. Os materiais tendem a umuniverso bastante artesanal, comprovado pelo uso depranchas de madeira, tinta, tecidos, materiais orgânicos,dejetos, etc enquanto que os conceitos dessas propostasartísticas são sempre determinados por uma grandecomplexidade e sofisticação.Assim, é possível entender o encontro desses doispólos (material e infra-estrutura), estabelecendo-se pormeio da escolha da ação e da incisão sobre o já prontoassumido como estratégia criativa principal. Essa é,portanto, a porta de entrada para as preocupaçõespreliminares que se desenvolvem no Brasil em torno daconjunção arte e ambiente urbano.O valor da desmaterialização crescente do objetoartístico, importado das correntes estéticas estrangeiras,colabora muito para que essa circunstância seja adotadapor aqui. Por outro lado, apesar de habitarem centrosurbanos importantes no Brasil e de reunirem experiênciasde estudo ou trabalho no exterior, os artistas queconstroem os primeiros projetos da passagem damodernidade para a contemporaneidade artística brasileiratraçam um caminho diferenciado de seus contemporâneoseuropeus e norte-americanos que, desde meados dos anos1960, já empregam sofisticadas tecnologias para aconstituição de seus trabalhos extra-muros.Dispondo de relativa simplicidade de equipamentos,ferramentas ou estrutura de funcionamento em seus ateliês(quando dispõem desse espaço), esses artistas não22demonstram manter proximidade com aparatos industriaisavançados e tão pouco apontam para um interesse ounecessidade de acesso à tecnologia de ponta para construirsuas propostas fundadas na experimentação.As preocupações quanto à construção de umpensamento e de uma práxis criativa incansavelmenterenovável, bem como a adoção de uma postura ativa epoliticamente crítica, parece reger, com mais propriedade,o ensaio dessa vertente estética contemporânea nopanorama nacional.

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